Fernando Sabóia Vieira

Aquela cidade era bem estranha. Seus habitantes eram muito diferentes uns dos outros e por isso não se davam muito bem.

Uns sempre achavam os outros esquisitos e tinham medo daqueles que não eram parecidos com eles mesmos. Por isso moravam em bairros separados e distantes.

Havia o bairro dos pés, o bairro das línguas, dos narizes, dos ouvidos, dos olhos, das pernas, das mãos, dos braços, dos joelhos, dos cotovelos, dos tornozelos.

No bairro dos pés havia pés de todo tipo: direito, esquerdo, de chulé, pé rapado, pé grande, pé pequeno, é torto…

No bairro das mãos também havia mãos de várias espécies, mão grande, mãos pequena, mão boba, mão de vaca, mãozinha, mão de molambo…

Nos outros bairros era do mesmo jeito. Se você fosse dessa cidade, em qual bairro você ia querer morar? Por que?

No bairro das línguas era um barulho enorme, que ninguém agüentava;

No dos narizes todos viviam fungando e espirrando;

No bairro dos olhos todo mundo era vigiado o tempo todo;

No dos pés era perigoso tomar um chute;

No bairro das mãos dava medo de levar umas palmadas;

No dos ouvidos as ruas eram lisas de tanta cera;

No bairro das pernas e braços nada funcionava direito, pois nem elas conseguiam se mexer nem eles podiam carregar coisas.

Já os cotovelos, tornozelos e joelhos eram muito estranhos e ninguém sabia direito para que serviam.

No centro da cidade moravam as cabeças, cheias de idéias, mas que não iam a lugar algum, nem podiam fazer nada.

O Problema dos Desconjuntados

Um dia, houve um grande problema: faltaram água e luz na cidade. Foi uma confusão total, porque todos precisavam disso.

Como nenhum bairro conseguia resolver sozinho o problema, o jeito foi marcar uma reunião com todos para decidir o que fazer.

Assim, cada bairro mandou seus representantes:

Do bairro das pernas, dos pés, dos olhos, dos braços, dos ouvidos, dos joelhos, dos cotovelos e dos tornozelos foram dois representantes de cada, porque neles havia dois partidos, o da direita e o da esquerda.

Já do bairro dos narizes e das línguas foi apenas um de cada, porque todos os narizes sentem o mesmo cheiro e uma língua só já fala demais.

Do bairro das cabeças também foi apenas uma porque, ainda que duas pensem melhor do que uma, às vezes têm idéias diferentes, o que dá muita confusão.

A Reunião dos Desconjuntados

Começou a reunião e, logicamente, quem primeiro falou foi a língua:

— As coisas estão andando mal por aqui, disse ela apontando para os pés.

— Ninguém vai dizer nada para ajudar? Já vi que só vão falar bobagem aqui hoje. Responderam os pés, já ameaçando dar uma pisada em alguém.

O nariz fungou e disse para os olhos:

— Será que alguém pode ir ver o que está acontecendo?

— Talvez algo esteja cheirando mal e ninguém esteja notando, responderam os olhos, já se fechando para dormir, se aquela reunião continuasse chata daquele jeito.

As pernas perderam a paciência, se esticaram e exigiram:

— A gente bem que precisava de uma mãozinha!

As mãos entenderam o recado e já responderam bravas:

— É melhor sair correndo quem não quiser tomar uns tapas.

Os braços, que até ali estavam cruzados, resolveram entrar na discussão e reclamaram:

— Por que ninguém se ajoelha e ora?

Os joelhos não acharam graça e responderam na hora:

— E se todo mundo se abraçasse bem forte, em vez de ficar brigando?

Os cotovelos e tornozelos só ficavam observando porque não sabiam para que estavam ali.

A língua, mal criada como era, começou a falar alto e resolveu provocar a cabeça, que estava até agora só pensando:

— Com tanta cabeça inteligente por aí, por que será que mandaram para cá justamente uma cabeça oca? Gritou ela.

Aí começou uma discussão enorme e ninguém entendia mais nada:

— Aqui ninguém se enxerga mesmo, não é? Diziam os olhos.

— Vocês parecem que são surdos! Gritavam os ouvidos.

Isso não está cheirando bem! Tem gente que não toma banho! Anunciava o nariz.

A solução para os Desconjuntados

Quando a confusão ficou grande mesmo e parecia que tudo ia terminar em briga, a cabeça resolveu entrar no debate e decidir tudo:

— Calma aí, todo mundo. Sou eu quem manda aqui. Sou eu quem pensa. Cada um de vocês foi criado para fazer uma coisa diferente e todos têm que ajudar, porque um não pode fazer a parte do outro. Não tem ninguém mais feio ou menos importante. Se cada um fizer sua parte vai dar tudo certo.

— Tornozelos e joelhos. Juntem os pés e as pernas para que eles possam andar.

— Cotovelos, movimentem os braços e as mãos que possam trabalhar.

— Olhos, prestem atenção para que nada dê errado.

— Nariz, se sentir algum cheiro estranho avise logo.

Ouvidos e língua, escutem as opiniões de cada um e comuniquem aos outros o que for decidido.

A Nova Cidade

Então, uma grande mudança começou a acontecer. Quando todos começaram se juntarem uns aos outros e a se ajudarem uns aos outros conseguiram fazer coisas que antes não podiam. Agora, dava para andar, ouvir, sentir, falar, trabalhar, tudo de acordo com as ordens da cabeça.

Logo a cabeça anunciou:

— Já encontrei a solução para nossos problemas de falta de água e luz. Jesus disse: “Eu sou a luz do mundo”. Ele também falou que quem beber da água que Ele dá nunca mais tem sede. É dele que precisamos. Vamos todos ajudar para que Ele seja o Senhor de cada um de nós.

Desde aquele dia, tudo mudou na cidade. Já não tinham medo uns dos outros e passaram a ficar próximos especialmente dos diferentes, para poderem se ajudar uns aos outros.

A cidade ficou tão diferente que resolveram mudar seu nome. Cidade dos Desconjuntados já não era um nome legar.

Que novo nome você daria para aquela cidade?

Fim da História

Na bíblia está escrito que nós, que somos da igreja de Jesus, somos membros do seu Corpo. Isso quer dizer que somos diferentes porque fomos feitos para fazermos coisas diferentes e, assim, ajudarmos uns aos outros. Mas fazemos parte do mesmo Corpo e se algum faltar o Corpo não estará completo.

Ninguém é melhor ou mais importante ou mais bonito. Todos são úteis e necessários.

Cada um tem a sua tarefa, que só ele pode fazer. Só o olho poder ver e só o ouvido pode ouvir.

E cada um precisa dos outros, pois não pode fazer a parte do outro. A língua não pode cheirar, nem o nariz falar.

Além disso, precisamos estar ligados uns aos outros, pois se o pé não estiver ligado na perna nenhum dos dois pode andar. Se as mãos e os braços não estiverem juntos, nada se consegue fazer.

É dessa maneira que a Igreja deve viver. Como o Corpo de Cristo, com todos ligados e ajustado, para fazer tudo o que Ele, que é o cabeça, o chefe do Corpo, ordenar.

Para isso, precisamos ser amigos e companheiros mesmo daqueles que são diferentes de nós, e não pensarmos nem que somos melhores e nem que não somos importantes para o Corpo. E, principalmente, obedecer ao Cabeça, que é Jesus.

Se você é um desconjuntado e vive sozinho, tentando dar conta de fazer tudo sem a ajuda de ninguém, saiba que você tem um lugar especial no Corpo de Cristo, na Nova Cidade que ele está preparando para sua Igreja.

“Porque assim como num só corpo temos muitos membros, mas nem todos os membros têm a mesma função, assim também nós, conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros.” Romanos 12:4-5

///fsv 

Publicado no Baú do Ferando em 23 de abril de 2010

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Pela Manhã

Faze-me ouvir, pela manhã, da tua graça, pois em ti confio; mostra-me o caminho por onde devo andar, porque a ti elevo a minha alma. Salmos 143.8