Paixão

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Ela estava no campo colhendo trigo e, agora, brincando de pega-pega. Havia contentamento  pois, naquele dia, a colheita tinha sido muito boa. Seus amigos, meninos e meninas da sua idade, já tinham ajudado bastante e, neste momento, estavam rindo e correndo de um lado para outro, se alegrando. Ouviu-se uma voz clara e meiga:

— Maria, vem me ajudar, hoje teremos convidados especiais para o jantar.

Imediatamente, largou o que fazia e correu para casa para ajudar a sua mãe. Cheia de alegria e cânticos, começa as tarefas domésticas. É a vida normal de uma jovem menina.

— Nossa, mãe! Porque tanta comida hoje? Ainda não estamos na Páscoa.

— Minha menina linda, hoje teremos um jantar muito especial. Faça tudo bem rápido e vá se arrumar, coloque aquele vestido.

— O novo? Porquê?

Maria não fazia idéia. Aquela noite era o o seu jantar de compromisso. Ela estava sendo prometida a José, homem justo e bom. Um carpinteiro de respeito e reconhecido. Um homem trabalhador que cuidaria muito bem dela.

Em um ano estaria casada. Em um ano teria a sua casa para cuidar e filhos para criar. Seus pensamentos decolaram, voaram, rodopiaram. Quem era aquele homem? Não um desconhecido, mas tão pouco um… amigo. Quem era ele? Quais seus sonhos? Seus desejos? Seria um homem gentil? Doce? Amoroso?

Pela manhã foi contar para suas amigas, suas companheiras de alegria. Ainda refletindo muito sobre tudo, mas cheia de risos disse:

— Deus é bom! Ontem fui prometida a José, o carpinteiro. Homem bom e justo, não?

E cheia de gratidão ao Senhor, se viu pensando nos detalhes da nova vida. Muita coisa mudaria. Estava cheia de paz: Deus de tudo cuidaria.

Enquanto meditava, inesperadamente, recebe uma radiante visita que lhe fala:

Alegra-te, muito agraciada! O Senhor é contigo.

O que será isso? Porque esta saudação? Eu favorecida? Agraciada? Como sabe que me assustei? Como assim eu achei graça diante do Senhor? Eu vou ter um filho? Mas ainda não me casei! Filho do Altíssimo? Seu reino não terá fim? E, com curiosidade, pergunta:

— Como será isto, pois não tenho intimidade com nenhum homem?

O poder do Altíssimo me envolverá… Sim, Como? Isabel está gravida? Quero dizer, Tia Isabel? Mas, já passou da idade…  e… sempre disseram que ela é estéril! Isso mesmo, nada é impossível ao Senhor! Não tenho nenhuma dúvida. Nada… absolutamente nada… é impossível… Eu grávida… Isabel no sexto mês… Nada é impossível ao nosso Deus, nada!

— Sou serva do Senhor! Que aconteça comigo conforme a tua palavra.

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Eu imagino que possa ter ocorrido assim com Maria-menina, cheia de obediência e temor ao nosso Deus. Mas pense um pouco. Maria prometida a José, comprometida com um carpinteiro, de repente encontra-se grávida. Lógico que ela sabe o que lhe disse o anjo. Mas e suas amigas? Será que confiaram nela? Será que duvidaram de sua honestidade? Será que pensaram que Maria fora abusada por algum romano? Como reagiram?

Uma menina prometida em casamento encontra-se grávida, e não é do noivo. Será que suas amigas não foram impedidas de se relacionar com ela? Uma menina grávida sem estar casada… É uma vadia!

Se hoje ainda gera burburinhos, imagina naquele tempo. Será que não é uma mentirosa? Esta invenção de que foi o Espírito Santo…

Imagine, minha irmã, se fosse com você. Se você, uma discípula, ficasse grávida sem nunca ter tocado em um homem! Uau, não é bom nem pensar.

Como ficou José? Homem honesto que desejou sumir. E você, meu irmão, como reagiria? Pensaria como José, que não querendo difamar, deixaria sua noiva secretamente? Ou colocaria tudo no Facebook?

Muitas vezes imagino as injustiças sofridas por Maria, mãe de Jesus. Isabel sabia de tudo,  passara um longo período de sofrimento, sem conseguir conceber. E, estando grávida, o Espírito Santo revelou-lhe a verdade. Nossa que loucura! Quanto sofrimento Maria deve ter passado. Quanta rejeição pode lhe ter sido imposta pelos pais, amigos, vizinhos, por causa de uma barriga fora do tempo.

Todavia não para por aí. Quando sua hora se aproxima, é obrigada a fazer uma longa viagem. Primeira gravidez, barriga grande, longe de casa e em cima de um burro. Mais sofrimento. Chega ao destino, Belém, e ninguém os hospeda: não há vagas! Isso é quase uma barbárie. Um judeu não hospedar um viajante? Um irmão? Não existe. Mais injustiças.

O Pai a abandonou exatamente nesta hora? Só lhe restou um abrigo de animais. Que loucura! Você aceitaria que seu primeiro filho, tão esperado, não tivesse um local para nascer? Que nenhum hospital a aceitasse? E que você tivesse de se virar sozinha? Lembre-se que homens não faziam partos. Só, num abrigo de animais… Deus esqueceu de mim! Como diz que estou grávida pelo Espírito Santo e me deixa nessa complicação? Mais angústias. Mais dor. Mais injustiça. Mais sofrimento. Mas não se ouve reclamação. Mas não se percebe nenhuma murmuração. Tudo é devidamente guardado no coração.

Agora, imagina como ficaria o seu coração se logo após o parto, você tivesse que fugir. Isso mesmo, fugir para um país de língua estranha, costumes totalmente diferentes, tudo diferente. Longe da mãe, do pai, dos irmãos da igreja, Ficaria só você e o homem com quem você casou. E isto porque lhe nasceu um bebê que querem matar. José, Maria e o bebê Jesus, fugiram para o Egito. Quando retornam, vão para outra cidade e ficam sabendo que, por causa do seu bebê, muitas crianças foram assassinadas. Quanta dor! Quanta maldade!

Maria-mãe, de alguns filhos, vê seu primogênito crescendo em estatura e graça.

Passa o tempo e, numa das idas a Jerusalém, Maria esquece Jesus, pensando que estava entre seus amiguinhos. Que absurdo. Anda três dias à sua procura e quando o encontra, está no meio dos doutores. Glorias a Deus, estava a salvo. Se você já se perdeu de seu filho em algum lugar, sabe o que é esta angústia. Mais pontadas, mais mais… Não há palavras que possam expressar.

O menino se torna homem. Segue a profissão do seu pai. Um dia, deixa tudo por outra obra muito maior a fazer: a obra do Pai. Como assim, meu filho? Como você irá se sustentar?

Minha comida e bebida consiste em fazer a vontade de meu Pai.

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E começa seu ministério.  E começam os rumores. E começam os falatórios. Falso profeta! Mentiroso! Maioral dos demônios! E, com toda certeza, Maria ouviu tudo isso sobre seu filho. Mais loucura, mais injustiça, mais sofrimento. Até o ápice de ser preso por inveja dos religiosos, por ser um homem amoroso e verdadeiro, e condenado a morte. A terrível morte de cruz.

Você poderia me dizer: Mas Jesus é Deus, para isso ele veio ao mundo. Ele já sabia que iria sofrer tudo isso, afinal não é o cordeiro que foi morto antes da fundação do mundo? Mas e Maria? Sabia de alguma coisa?

Não.

Ponha-se no lugar de Maria e pense: se fosse teu filho? Se fosse com você? Você iria para outra nação? Para uma nação mais justa? Você mudaria de congregação? Para uma mais justa?  De Deus nunca podemos fugir. Ele é o Senhor, está no controle de tudo, nada foge ao seu conhecimento.

Bem, é possível que eu esteja indo longe demais, mas preciso sempre imaginar o que é e quão difícil é suportar injustiças e sofrer por amor a Cristo. Não quero ser achado em falta com meu Deus.

Ocorre que não podemos fazer nada que não seja orientação clara do nosso Senhor. Há uma enorme necessidade de buscar mais e mais ao Pai. Clamar. Suplicar. Jejuar. Chorar em sua presença. Humilhar-se debaixo de sua poderosa mão. O que podemos aprender com toda essa situação? Quanto de injustiça você vem sofrendo? Quanto de maus tratos você padece? Sim, não é nada pouco. É sua vida que está em jogo. É a sua fé que está sendo provada, temperada para ser aprovada.

Maria-agraciada guarda tudo no coração. Não murmura, louva ao Senhor.

Minha alma engrandece ao Senhor
e o meu espírito se alegra em Deus,
meu Salvador…
Lc 1.46-47

Bem sei que tudo podes,
e nenhum dos teus planos
pode ser frustrado. Jó 42.2

… sérgio de avillez …
Fotos Flor e Fruto do Colorau by Savillez

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Pela Manhã

Faze-me ouvir, pela manhã, da tua graça, pois em ti confio; mostra-me o caminho por onde devo andar, porque a ti elevo a minha alma. Salmos 143.8