Esdras e Neemias ao conduzirem a reconstrução da cidade e dos muros de Jerusalém, que havia sido destruída pelo fogo e saqueada pelo exército caldeu, se depararam com uma realidade ainda mais chocante: semelhantemente à condição física da cidade, a vida espiritual da nação encontrava-se em ruínas. Esses dois servos de Deus denunciaram as práticas pecaminosas dos sacerdotes e de todo o povo, interpretando-as como causas da degradação generalizada da nação escolhida para ser benção para o mundo. Em seus lamentos, eles adotaram uma postura de identificação com a situação pecaminosa de Israel.
Esdras expõe assim o seu coração:
“Meu Deus! Estou confuso e envergonhado, para levantar a ti a face, meu Deus, porque as nossas iniqüidades se multiplicaram sobre a nossa cabeça, e a nossa culpa cresceu até aos céus. Desde os dias de nossos pais até hoje, estamos em grande culpa e, por causa das nossas iniqüidades, fomos entregues, nós, os nossos reis e os nossos sacerdotes, nas mãos dos reis de outras terras e sujeitos à espada, ao cativeiro, ao roubo e à ignomínia, como hoje se vê” (Esdras 9:6-7).
Neemias, por sua vez, adota atitude semelhante ao orar:
“e faço confissão pelos pecados dos filhos de Israel, os quais temos cometido contra ti; pois eu e a casa de meu pai temos pecado. Temos procedido de todo corruptamente contra ti, não temos guardado os mandamentos, nem os estatutos, nem os juízos que ordenaste a Moisés, teu servo” (Neemias 1:6b-7).
De Esdras, a Bíblia diz que “a boa mão do SENHOR, seu Deus, estava sobre ele”. Neemias, ao saber da situação calamitosa dos muros e portões da cidade de Jerusalém, passava o dia a chorar, jejuar e orar. Ambos eram homens com o coração voltado para o Senhor. Suas vidas eram dignas de serem imitadas. Foram tremendamente ousados e usados por Deus em sua geração. Ainda assim, identificam-se com a pecaminosidade da nação. Para eles o pecado do povo era o pecado deles também. Embora não praticassem as mesmas obras pecaminosas de seu povo, havia em seus corações um sentimento de unidade e, num sentido mais neotestamentário, de corpo que os igualava ao seu povo. Creio que esse sentimento é muito salutar. Ele é totalmente alinhado com o pensamento do Novo Testamento. Paulo expressa perplexidade ante a atitude passiva da igreja em Corinto com relação a um discípulo que mantinha relações sexuais com sua madrasta. “Não chegaste a lamentar”, repreende Paulo (1Corintios 5:2). Um sentimento de angústia pesava o coração de Paulo, fruto do seu cuidado e preocupação com as igrejas. Chorar pelas debilidades espirituais dos irmãos parecia ser comum ao apóstolo:
“Receio que, indo outra vez, o meu Deus me humilhe no meio de vós, e eu venha a chorar por muitos que, outrora, pecaram e não se arrependeram da impureza, prostituição e lascívia que cometeram” (2Coríntios 12:21).
Diante da inconstância dos irmãos gálatas, Paulo geme e sofre dores, “dores de parto” no seu dizer (Gálatas 4:19).
E quanto a nós? Temos sentido as mesmas dores? Temos sofrido os agravos do pecado no seio da igreja, do corpo ao qual pertencemos? Temos lamentado aos pés do Senhor os pecados dos irmãos ou simplesmente os ignoramos como se não tivéssemos parte com isso? O que temos feito com o texto bíblico que afirma que nós, “conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros” (Romanos 12:5)? Como reagimos diante da verdade de 1Coríntios 12:26 que diz que se um membro do corpo sofre, todos sofrem com ele?
Muito mais grave do que a presença do pecado em nossas vidas é o fato de não nos inquietarmos com ele; de acharmos natural ao ponto de nos acomodarmos com a situação. Não se trata de admirar-se com os pecados dos irmãos, comentá-los entre nós, ficarmos horrorizados e indignados, nem de odiar e rejeitar esses irmãos. Trata-se de entrar em sintonia com o coração do Pai. Significa sentir a tristeza que o Espírito Santo sente (Efésios 4:30) diante do pecado da igreja. Implica em chorar como Jesus chorou diante da incredulidade e rebeldia da nação que deveria recebê-lo com exultante alegria.
Agora, a parte mais difícil de expressar, visto os riscos de uma má interpretação. Você consegue identificar a impureza na família de Deus? Consegue ver os conceitos e valores do mundo e das trevas manifestados e defendidos pelos filhos da luz? Consegue ver a rebeldia no coração de muitos, lembrando que a foi a independência que pôs fim a harmonia entre o homem e Deus e levou Jesus ao sacrifício na cruz? Consegue dormir tranquilamente quando tantos jovens desobedeceram às instruções que seus discipuladores lhe ministraram e caíram no lamaçal do pecado? A intenção aqui não é realizar um censo de todos os pecados entre os irmãos e muito menos fazer o papel do acusador de nossas almas. O desafio é nos inquietarmos com qualquer expressão do reino das trevas em nosso meio. Não aceitarmos como normal o pecado, a mentira, a maledicência, a rebeldia, a palavra torpe, a inveja, o materialismo, a sensualidade, o materialismo e outros males.
Ao testemunharmos isso, devemos nos entristecer ao mesmo tempo em que adotamos um postura de agentes de correção, de ensino, de exortação e alerta. Não basta ficar tenso, preocupado ou ansioso. Precisamos nos quebrantar em oração e jejum, humilhando nossa alma aos pés daquele que cura todo mal. Isso, evidentemente, começa em nós. Nossa primeira preocupação deve ser – sempre – com a trave em nossos olhos. Mas retirá-la não é o suficiente. Jesus não disse que não deveríamos retirar o argueiro dos olhos do irmão. Disse apenas que para corrigirmos os outros precisamos ter uma vida reta, afim de não cairmos no pecado da hipocrisia e falsidade. Em Gálatas 6:1, Paulo nos estimula a corrigirmos com espírito de brandura o irmão surpreendido em alguma falta. Se todos nós nos comprometêssemos a nos instruir e aconselhar mutuamente (Colossenses 3:16), sujeitando-nos uns aos outros (Efésios 5:21), certamente viveríamos uma vida mais santa e agradável ao Senhor. O problema é que nos omitimos, seja por covardia, ignorância ou conivência com o erro. Fazemos de conta que o problema não é nosso. Como se a infecção no dedo do pé fosse um problema do pé e não do corpo. Uma atitude bem diferente da de Esdras, Neemias e Paulo.
Em Cristo
Texto e ilustração de Ivan Cabral, cartunista, resolveu escrivinhar umas linhas que posto aqui para meditação de todos Depois do vídeo do David Wilkerson (Chamado à Angústia).